Orçamento com enfoque de gênero, uma aposta segura para o desenvolvimento sustentável

Orçamento com enfoque de gênero, uma aposta segura para o desenvolvimento sustentável

Avizinham-se tempos difíceis. Os governos terão de se enfrentar a um cenário de crise multidimensional (econômica, social, meio ambiental) em um contexto de aumento de dívida pública, diminuição de ingressos públicos e grande necessidade de gasto social. Em outras palavras, os governos terão de ter engenho para fazer mais com menos.

Na Ibero-América, a pandemia da COVID-19 teve um impacto especialmente negativo nas mulheres, agravando-se sua situação de vulnerabilidade, sofrendo mais desemprego, pobreza, violência de gênero e sobrecarga de trabalho de cuidados não remunerados, tal como a ONU Mulheres assinala em estudos recentes.

Esta situação poderia ser o pior pesadelo da inicialização do slogan “que não fique ninguém para trás” da Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e é que, tal como comenta Michelle Bachelet em uma recente entrevista no El País, “sem a metade do time resulta impossível ganhar uma partida”.

 

Como conseguir um desenvolvimento sustentável e inclusivo?

Poderia se dizer que o orçamento público é a ferramenta mais potente com a qual conta qualquer governo para incidir no nível de bem-estar da população e para guiar o processo de desenvolvimento nacional. Integrar a perspectiva de gênero na toma de decisões orçamentárias será crucial, o que supõe a inicialização dos chamados “orçamentos com enfoque de gênero”.

Para a ONU Mulheres, “os orçamentos com enfoque de gênero integram sistematicamente os objetivos de igualdade de gênero na política, planificação, orçamentação, monitoramento, avaliação e auditoria  da administração pública. Seu objetivo é analisar os impactos distributivos do orçamento (ingressos e gastos) em mulheres e homens e ajustar [ou reassignar] os recursos para garantir que ambos se beneficiem por igual dos recursos públicos”.

Surgiram na década de 1980 com a corrente de pensamento da economia feminista sobre a macroeconomia, sendo a Austrália o primeiro país que os colocou em prática em 1984. Cobraram popularidade após a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing em 1995 e, atualmente, mais de 100 países colocaram-nos em funcionamento, segundo assinala Zohra Khan.

Na Ibero-América, faz uns 20 anos estão sendo desenvolvidos em vários países, em muitas ocasiões com o apoio da cooperação internacional e com distintos graus de desenvolvimento e institucionalização.

 

Agora, persiste sua importância na saída da crise por diversos motivos.

O motivo mais evidente, é que a igualdade de gênero é necessária para o desenvolvimento sustentável. Representa grandes benefícios sociais e econômicos que se refletem no PIB tal como mostram estudos do Instituto Europeu para a Equidade de Gênero (EIGE, por suas siglas em inglês) do Banco Mundial (BM) e tantos outros.

No Paraguai, um estudo realizado em 2017 estimou que o custo da violência contra a mulher era equivalente a 5,12% do PIB. Em outras palavras, a desigualdade sai cara.

Incluir o enfoque de gênero nos orçamentos reforça aspectos como a eficiência e eficácia do gasto. No México, a experiência de orçamento com enfoque de gênero iniciada em 2000 aumentou os programas e orçamentos destinados ao câncer de mama ou à violência de gênero. Ou seja, o gasto foi dirigido a resolver problemas identificados em diagnósticos e dimensionados com indicadores, fazendo um uso mais certeiro das finanças públicas.

Também melhoram outros aspetos de governança como a participação. No exemplo anterior, os orçamentos com enfoque de gênero foram realizados de maneira participativa entre a Secretaria de Fazenda e Crédito Público, o Instituto Nacional da Mulher, a Câmara de Deputadas e Deputados, e em seus inícios, com as organizações feministas da sociedade civil.

A transparência e a prestação de contas são outros aspetos que melhoram com estas práticas. Seguindo com o exemplo do México, a partir do ano 2008 conseguiram etiquetar todo o gasto público orientado à igualdade de gênero e fazê-lo público no Anexo 13 do Orçamento de Egressos da Federação. Isto ajuda no cumprimento do indicador 5c1 da Agenda 2030 dos ODS, o qual mede “a proporção de países com sistemas para o seguimento da igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e a assignação de fundos públicos para esse fim“. Também serve para dar seguimento ao gasto ao longo dos anos, tal como mostra o seguinte gráfico.

É necessário que os governos defendam, com orgulho e não entre dentes, a igualdade de gênero. Que as organizações da sociedade civil averiguem os vias de participação nas finanças públicas e lutem para que não haja retrocessos na conquista de direitos das mulheres. Que a cooperação internacional redobre seus esforços e condicione sua ajuda à igualdade de gênero.

Que o Parlamento não permita a aprovação de políticas e orçamentos se são discriminatórias. Que nos lares sejam distribuídos os trabalhos não remunerados entre homens e mulheres, e que no âmbito laboral, familiar ou social, não sejam toleradas as opiniões machistas.

Devemos ser conscientes de que o feminismo é um direito e não uma opinião.

Continuar lendo