A líder do Conselho de Empresários Ibero-americanos (CEIB), María Paz Jervis se reconhece “feminista”, comprometida com a construção de uma melhor sociedade e com uma cidadania mais empoderada. Em outubro de 2022, esta advogada, professora e especialista em relações internacionais, se converteu na primeira mulher em presidir a Câmara de Indústrias e Produção (CIP) do Equador em seus 86 anos de existência.
Jervis tinha exercido a docência durante 14 anos e colaborado com ONGs de participação cidadã antes de liderar o grêmio empresarial mais importante do Equador, que representa 62 setores produtivos (30% da renda gerada no país). Apesar disso, não considera que esta posição seja um mérito próprio, senão a consequência dos esforços de muitas mulheres que aplainaram o caminho antes que ela para que essas portas se abrissem.
María Paz Jervis, quem também preside a Federação de Câmaras de Indústria de Equador, defende o papel das empresas para a “erradicação das brechas”, algo que em sua opinião “não é responsabilidade exclusiva dos governos, senão também do setor privado e gremial”.
Dali que, em um momento que define como “crítico para a Ibero-América”, a presidenta do CEIB valoriza a vontade do setor privado de aportar soluções para alcançar o desenvolvimento da região e lutar contra a desigualdade. Para isso, assegura, “necessitamos mais Ibero-América para criar emprego, abrir novos mercados, pensar em novas ideais e para investir em nossa gente”.
Na seguinte entrevista com o Portal Somos Ibero-América, Jervis também oferece sua visão sobre as oportunidades de avançar em igualdade de gênero e adianta os eixos do XV Encontro Empresarial que o seu país acolherá em 2024.
P. Que papel desempenha o setor privado para construir um novo (e melhor) tempo na Ibero-América?
R. “Nós nos enfrentamos a uma nova ordem na qual as empresas terão um papel decisivo. Estamos em uma etapa de consensos, na que deve primar a segurança jurídica e a confiança, e na qual será produzida uma grande mudança laboral e social, no qual as empresas serão mais protagonistas do que nunca.”
O setor privado tem um papel fundamental para reorientar as políticas públicas e as lideranças, sempre mediante o diálogo e o intercâmbio de opiniões tecnicamente fundamentadas. Hoje vemos como também no mundo das empresas estão mudando os modelos tradicionais de liderança, deixando passagem a novas fórmulas mais positivas, colaborativas e coletivas. É crucial que sejamos capazes de congregar os distintos e não só os iguais.
Nós nos enfrentamos a uma nova ordem, na qual as empresas terão um papel decisivo
P. Como a colaboração público-privada pode ser chave na tripla transformação: digital, meio ambiental, produtiva que a Ibero-América necessita?
R. “O futuro passa pelas alianças. Desde as organizações empresariais apostamos por impulsionar modelos de colaboração público-privada como a melhor ferramenta para seguir apostando pelo investimento—interno e externo- que acredite de riqueza, de emprego e de bem-estar.
As alianças público- privadas adquirem cada vez mais importância, compreendendo que as empresas não competem por si sós, senão através do entorno sócio produtivo do qual formam parte.
Compartilhar o espaço ibero-americano representa uma oportunidade única de homologar práticas de atenção direta a empreendedores, implementar programas de cooperação, em produção, sustentabilidade e digital; e, principalmente, vertebrar um ecossistema regional maior que a soma de todos os ecossistemas nacionais, o que resulta realmente atraente para os investidores internacionais.”
P. Que papel têm as empresas para promover uma maior participação das mulheres em posições de liderança? Que medidas concretas poderiam ser tomadas?
R. “Nos últimos anos, a agenda de gênero ganhou muita presença na região e já ocupa um papel central em estratégias e planos das empresas e da economia. Nela, a igualdade de oportunidades, a educação em matérias STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemáticas), a inovação, o intraempreendimento e o aumento do número de mulheres em papeis digitais são âmbitos chave. Promover a participação das mulheres em profissões STEM é crucial para fechar as brechas de gênero no mercado laboral e promover um crescimento com inclusão.
Também aumentou a proporção de mulheres em postos diretivos e técnicos na maioria dos países da Ibero-América. Neste sentido, destacamos os avanços da Guatemala e do Uruguai, onde a paridade aumentou em, ao menos, 10 pontos percentuais. Além disso, a brecha de gênero entre os trabalhadores com funções técnicas se reduziu na maioria dos países da região e países como a Bolívia e o Chile avançam mais de 10 pontos percentuais”.
P. Há avanços, mas ainda existe um caminho por recorrer para uma igualdade plena. Que importância outorga ao empoderamento e à liderança feminina em seu mandato frente ao CEIB?
R. “No CEIB consideramos que deve se incentivar a participação das mulheres em projetos de liderança econômico e social. Será um fator chave nas estratégias de desenvolvimento da região nas próximas décadas. A nível empresarial, a participação das mulheres agrega valor e aporta uma visão ampliada e diversa, fazendo as empresas mais sustentáveis. A liderança feminina já não é um fato completamente isolado e colateral, senão uma realidade. Existem já muitíssimas mulheres que estão ostentando postos de máxima responsabilidade e queremos que se somem muitas mais.” 
Uma visão empresarial que priorize a igualdade de gênero contribui significativamente ao sucesso econômico e ao bem-estar social
Tendo em conta que na Ibero-América 58% das pessoas que realizam seus estudos de graduação são mulheres, as empresas têm a oportunidade de aproveitar o tremendo potencial de conhecimento a partir da igualdade de gênero. Acreditamos firmemente que uma visão empresarial paritária, contribui significativamente ao sucesso econômico e ao bem-estar social.”
P. Quais são os desafios e oportunidades para o setor privado na Ibero-América?
R. “Nosso roteiro em CEIB se orienta para um firme compromisso com o investimento, o desenvolvimento e o crescimento na região. Assim foi transladado às e aos Chefes de Estado e de Governo no XIV Encontro Empresarial em Santo Domingo, através do Manifesto Ibero-americano de Compromisso pelo Investimento, subscrito pelas organizações empresariais ibero-americanas membros da Organização Empresarial de Empregadores-OIE e que conformam o CEIB.
Sem iniciativa privada, não há desenvolvimento e, portanto, o setor empresarial é parte da solução aos problemas socioeconômicos da região. Devemos apostar por um novo pacto social, que promova as alianças público-privadas e comprometa todos os atores com o desenvolvimento sustentável, procurando retomar o crescimento sem deixar ninguém para trás.
O empresariado ibero-americano deve recuperar a confiança para atrair e reter investimentos especialmente focados na energia social dos países e nas energias verdes. Nossas prioridades têm de ser a formação e o emprego, sendo ambas elas a melhor fórmula de inclusão social.
Devemos apostar por um novo pacto social que promova as alianças público-privadas e comprometa todos os atores com o desenvolvimento sustentável
P. Que medidas e políticas públicas poderiam ser implementadas pelos governos da Ibero-América a fim de alavancar o desenvolvimento das pequenas e médias empresas (MiP&mes)?
R.“A fórmula é a colaboração público-privada, uma maior produtividade e oferecer os incentivos adequados para conseguir que as Mip&mes progridam no contexto atual. Além disso, devemos gerar mecanismos específicos e melhorar o acesso ao crédito; impulsionar mais capacitação; revisar a legislação (complexidade tributária e legislação laboral); e, logicamente, melhorar os instrumentos para a internacionalização.
Por citar algum exemplo das medidas que podem ser implementadas desde o setor público, mencionaria a necessidade de facilitar o comércio, através do guichê único, programas “exporta fácil”, o processamento conjunto de passagens de fronteira, circulação de carga em trânsito e demais iniciativas de simplificação, que sem dúvida ajudariam a alavancar a internacionalização de nossas P&MES.
P. Em um momento socioeconômico complexo, qual pode ser o aporte do Encontro Empresarial Ibero-americano de 2024?
R. “Estamos nos preparando para que esta Cúpula Empresarial seja uma grande oportunidade de intercâmbio de ideias, conexões e fortalecimento do setor privado em seu conjunto e creio também que será uma grande oportunidade para o Equador, que deve se ver como um projeto de país e, ao mesmo tempo, como um prisma regional. Mas quero destacar que este encontro não é exclusivo do setor privado, senão que convoca trabalhadores/as, academia, organismos internacionais e sociedade civil.
Dialogaremos sobre inovação, sustentabilidade e inclusão, três grandes temas que estão na mira da maioria dos países do mundo. A inovação é fundamental para o desenvolvimento e o crescimento das empresas, já que permite ser mais competitivos e eficientes. A sustentabilidade é vital para garantir o futuro do planeta e é uma responsabilidade de todos os atores sociais. A inclusão é crucial para garantir que todos os setores da sociedade tenham acesso às oportunidades de crescimento e bem-estar.
Desde estes três eixos, queremos contribuir a fechar brechas tão presentes em nossas sociedades, porque temos certeza de que isto não é responsabilidade exclusiva dos governos, senão também do setor empresarial e gremial.”
Parafraseando o presidente da República Dominicana, Luis Abinader e como conclusão da entrevista, Jervis assegura que a “Ibero-América é uma comunidade de presente e de futuro. Esse futuro está sendo decido no presente”. Por isso, os Encontros Empresariais Ibero-americanos “abrem a possibilidade de ser essa voz que puja, empurra e modela o futuro”.
