Ibero-América esquenta motores para relançar as relações UE-América Latina

A presença do máximo representante da diplomacia europeia Josep Borrell na XXVIII Cúpula Ibero-americana marca um ponto de inflexão para um novo momento nas relações transatlânticas que se consolidará na Cúpula UE-CELAC durante a Presidência espanhola do Conselho Europeu no segundo semestre de 2023.

Ibero-América esquenta motores para relançar as relações UE-América Latina
O presidente dominicano, Luis Abinader, cumprimenta o alto representante da Política Externa da União Europeia (UE), Josep Borrell, durante a XXVIII Cimeira Ibero-Americana.

O chamamento do Alto Representante da União Europeia para Assuntos Exteriores e Segurança, Josep Borrell durante a passada Cúpula Ibero-americana, à América Latina para escrever junto à Europa “uma nova página de progresso na historia da humanidade” é um claro sintoma da aproximação entre ambas as regiões.

A Presidência espanhola do Conselho da União Europeia e a Cúpula entre a União Europeia e a Comunidade de Estados da América Latina e o Caribe (CELAC) a 17 e 18 de julho, abrem uma janela de oportunidade para escrever um novo capítulo nas relações euro-latino-americanas durante o segundo semestre de 2023. Os próximos meses serão decisivos.

A confluência destas duas cúpulas—em referência à Cúpula Ibero-americana e a Cúpula UE-CELAC— em menos de 6 meses envia um potente sinal político ao mundo sobre nossa vontade de maior coordenação entre os espaços europeus e ibero-americanos, que permitam reforçarmo-nos mutuamente perante um mundo que mudou e que nos impõe mudar com ele”, assegurou Borrell em sua intervenção ante os Chefes de Estado e de Governo da Ibero-América.

A nova visão europeia 

O também Vice-presidente da Comissão Europeia reconheceu que “depois de décadas de globalização e aberturas comerciais (…) hoje, os governos e as multinacionais veem as relações mundiais através da lente da segurança, que não só é militar senão também econômica”.

Como exemplo dessa nova visão geopolítica, o máximo responsável da diplomacia europeia aceitou que “a excessiva dependência da Europa do gás russo fez com que Putin acreditasse que podia invadir impunemente a Ucrânia e que a Europa não reagiria, prisioneira como era de 40% do consumo de gás proveniente da Rússia”. Também a pandemia fez com que a Europa compreendesse que, perante a deslocalização da produção, o mercado não sempre fornece em tempo e forma, reconheceu.

O Alto Representante de Política Exterior da União Europeia (UE), Josep Borrell, intervém durante a XXVIII Cimeira Ibero-Americana

“Descobrimos que as dependências, que são elementos que construíam a paz, podem ser também armas que sejam voltadas contra nós”. (Josep Borrell) 

Em um mundo pós-pandemia, onde a guerra condiciona as relações internacionais e ante um contexto definido pela “desglobalização”, se reconfigura uma geoestratégia de blocos que se pensava já de outra época. O realismo político ou real politik se impõe. A China começou, seguiram-na os Estados Unidos e, agora, a Europa dos 27 quer evitar a todo custo “dependências perigosas” como a dos hidrocarbonetos que vinculou seus destinos à Rússia e que agora luta, com muita pressa, por deixar para trás.

Agora toda dependência se converte em uma arma e o mundo visa a integração desde a perspectiva da garantia de segurança”, reconheceu Borrell perante os Chefes de Estado da Ibero-América, depois de explicar como a União Europeia apostou pelo livre comércio, pela integração econômica e pela cooperação como garantia de paz.

Neste sentido, o Chefe da diplomacia europeia deixou claro que o esperado relançamento das relações euro-latino-americanas também envia a mensagem de que o comércio e os valores comuns podem seguir gerando progresso mútuo e representam uma oportunidade para abordar conjuntamente os desafios marcados pelo nosso tempo: o ambiental, o digital e o social.

Áreas de oportunidade

Tanto desde a Europa como desde a Espanha foi deixado claro, durante a Cúpula Ibero-americana, que a conclusão dos acordos de associação com o Mercosul, a América Central e o Chile, o acordo global com o México, assim como os investimentos e a cooperação ao desenvolvimento serão as áreas potenciais para dotar de conteúdo concreto esse novo momento das relações transatlânticas.

O Rei da Espanha, Felipe VI deu algumas pistas durante sua intervenção no XIV Encontro Empresarial Ibero-americano, que antecedeu a Cúpula de Santo Domingo, quando confirmou que “entre as prioridades da Presidência espanhola da UE, destaca o apoio e maior impulsionamento para realizar a firma dos acordos bilaterais pendentes, cujo objetivo é liberalizar o comércio e estabelecer um marco de relação estratégica entre a UE e a América Latina”.

Na mesma linha se expressou Josep Borrell: “Deveríamos aproveitar esta ocasião sob a Presidência espanhola para aprovar algumas das matérias pendentes, antes de que a busca da segurança e o protecionismo das economias e das sociedades torne impossível fazer o que ainda não fizemos”, declarou em alusão aos acordos comerciais estancados. 

A conclusão dos acordos comerciais pendentes, uma nova onda de investimentos europeus e a cooperação ao desenvolvimento dotariam de conteúdo estratégico uma nova etapa das relações União Europeia – América Latina

A dinamização dos investimentos poderia ser o segundo pilar da nova agenda euro-latino-americana e tudo parece indicar que desde a Europa será movida uma ficha no próximo encontro entre a União Europeia e a CELAC, uma reunião que não era realizada desde 2015.

O Rei da Espanha avançou que neste encontro crucial “será apresentada uma carteira de projetos de investimentos estratégicos para a região que contará com o respaldo da UE e de seus Estados membros, assim como de instituições financeiras internacionais como o BERD [Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], a CAF [Banco de Desenvolvimento da América Latina] ou o BCIE [Banco Centro-americano de Integração Econômica]. “Isto é algo no que o governo espanhol está trabalhando ativamente junto a seus sócios comunitários e junto a tais instituições”.

Segundo cifras da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), em 2021, a União Europeia foi o principal investidor na América Latina, com 36% dos investimentos totais, superando, inclusive, os Estados Unidos que acumulou 34% do total. As telecomunicações e as energias renováveis são os setores que despertam o maior interesse dos investidores.

Em sua intervenção na Cúpula de Santo Domingo ante os líderes dos 22 países ibero-americanos, o Alto Representante de Assuntos Exteriores da UE valorizou a liderança europeia, tanto nos investimentos como a cooperação ao desenvolvimento na América Latina, depois de reconhecer que a China é o primeiro sócio comercial da região… e “é normal que assim seja”.

Os europeus somos o principal investidor na América Latina. Investimos mais na América Latina do que na Rússia, na China, na Índia e no Japão juntos (…) Ainda que pareça incrível, não é nenhum erro: nossas empresas puseram na América Latina uma quantidade ingente de capital e somos também o primeiro cooperante ao desenvolvimento (…) Pensem no que significa ser aquele que aporta mais capital produtivo e mais cooperação ao desenvolvimento”, destacou Borrell para ilustrar o potencial de uma dinamização das relações euro-latino-americanas.

Uma Ibero-América “mais geoestratégica”

A participação e o discurso do Alto Representante de Assuntos Exteriores e Segurança da União Europeia, Josep Borrell na XXVIII Cúpula Ibero-americana representa um ponto de inflexão no relançamento de uma nova aliança euro latino-americana.Uma das prioridades para a Espanha, a poucos meses de sua Presidência europeia do Conselho da União Europeia, é consolidar “uma Ibero-América mais geoestratégica, com uma voz mais influente no mundo”, afirmou o Presidente do Governo da Espanha, Pedro Sánchez, ao prestar contas sobre a participação espanhola no encontro ibero-americano

Sánchez sublinhou os valores compartilhados e as complementariedades econômicas entre a Europa e a América Latina, assim como a importância de fortalecer os vínculos para enfrentar conjuntamente os desafios derivados da transição verde e digital. “Nós nos necessitamos, nos complementamos e potenciamos as nossas economias”, destacou o mandatário do país que liderará o Conselho Europeu no segundo semestre de 2023.

Uma Ibero-América mais geoestratégica, com uma voz mais influente no mundo é prioritária para a Espanha, país que terá a presidência rotatória da União Europeia no segundo semestre de 2023

Especificamente, por proposta da Espanha e com o apoio de Portugal, a XXVIII Cúpula Ibero-americana aprovou um Comunicado Especial sobre o papel da Comunidade Ibero-americana nas relações de afinidade e complementariedade com a União Europeia”, que respalda, ao mais alto nível político, o relançamento da interação birregional que deverá ser aprofundada na próxima Cúpula União Europeia- CELAC em julho de 2023.

O documento põe a tônica, entre outros assuntos, na importância de trabalhar em uma agenda de investimentos estratégicas, de incrementar os fundos de cooperação ao desenvolvimento da União Europeia, assim como na necessidade de consolidar alianças para o financiamento de projetos chave para o desenvolvimento dos países, assim como o incremento das iniciativas de cooperação triangular em temas prioritários para ambas as regiões.

Discurso completo de Josep Borrell ?️VIDEO

?️Vídeo de EEAS- Serviço Exterior da União Europeia