Ibero-América da passos significativos para uma Política Exterior Feminista

Ibero-América da passos significativos para uma Política Exterior Feminista

As conquistas sociais, as salvaguardas legais e os direitos humanos das mulheres não podem ser dados como certezas. O questionamento de conceitos básicos como a igualdade, a limitação de certos direitos por questões de gênero em diversas partes do mundo e a polarização nos principais foros multilaterais que impedem alcançar acordos para uma agenda feminista e de progresso continuam aí como o dinossauro de Huidobro.

Para combater essas regressões, desde o feminismo se advoga por estabelecer políticas exteriores feministas que revertam a situação para introduzir, assim, a agenda que fala e defende os direitos das mulheres, mais além de suas políticas nacionais, para, desta forma, transladá-las a seus enfoques internacionais.

 

Afrontar diversas violências

As mulheres, jovens e meninas se enfrentam a crises múltiplas e interrelacionadas de grande impacto em suas vidas: crises sanitárias, econômicas, de cuidados e do lar, crise meio ambiental e crises de violência de gênero. Implementar uma política exterior feminista (PEF) supõe introduzir mudanças na maneira de dirigir a política exterior internacional que inclua a atenção às formas específicas de marginalização e opressão às quais as mulheres se enfrentam.

A análise feminista de quase todas as áreas políticas – desde os direitos reprodutivos até o direito de família e as políticas sobre violência contra as mulheres e a regulação do lugar de trabalho – é agora um campo sólido com um extenso trabalho teórico e empírico que adota uma variedade de enfoques. No entanto, a maioria das análises de políticas públicas não se estendem à política exterior, que tende a se considerar um campo separado.

Grande parte do trabalho sobre gênero nas relações internacionais também propendeu a se centrar em outros âmbitos: como o gênero estrutural a violência política, como a guerra – a diferença da política exterior – está condicionada pelo gênero, como as normas dão forma às relações de gênero em várias nações e como a desigualdade de gênero, em diversos países, molda o comportamento do Estado.

O estudo O que é a política feminista? uma avaliação exploratória das Políticas Exteriores nos países da OCDE recolhe que as mulheres e seu empoderamento são um foco crescente e explícito dos objetivos de política exterior e ocupam posições relevantes como agentes de política exterior em todo o mundo.

Segundo o relatório, o gênero aprofunda a compreensão da política exterior e cabe se perguntar como seria estudado e aplicado se partisse de perguntas e teorias feministas. Assim, os politólogos feministas devem analisar, criticamente, o impacto do gênero nos processos e valorizar os efeitos, as causas ou os resultados da toma de decisões em política exterior.

 

Em construção

A forma na qual cada país aborda sua Política Exterior Feminista é muito distinta e a razão principal é que a própria PEF está em “estado de construção e discussão’”, como assegura a Diretora de programas do Real Instituto ElCano, María Solanas. “Ao não existir um consenso global, não há uma única PEF. E essa falta de definição permitiu o desenvolvimento de diversas interpretações, junto às diferentes ambições e prioridades em cada país”, assinala.

A questão é complexa porque existem múltiplos tipos de feminismos – liberal, radical, feminismo do Terceiro Mundo, pós-moderno, transnacional -, mas um princípio unificador poderia ser o objetivo de promover os interesses das mulheres e das meninas, ou contra restar o rebaixamento das mulheres e o feminino e o privilégio dos homens e o masculino.

Também existem múltiplos enfoques para compreender a política exterior -estratégico, internacionalismo liberal, marxista, radical-, com diversos graus de compatibilidade com a análise feminista.

A transição para uma PEF real não é fácil. Requer compromisso político ao mais alto nível por parte dos governos, especialmente de seus Ministérios de Assuntos Exteriores, além de reformas institucionais e organizativas que permitam que as mulheres acedam, em igualdade de condições, aos postos de toma de decisão em matéria de política exterior.

 

A vanguarda ibero-americana

Ante a possibilidade de uma política exterior feminista, a aproximação da Secretaria-Geral Ibero-americana valoriza outra forma de liderança na qual a horizontalidade, a cooperação, o debate, a inovação e os cuidados tomem o valor central que merecem. Na mesma linha, fomenta e visibiliza as mulheres como agentes de mudança na política exterior dos países Ibero-americanos.

Para a SEGIB, uma Política Exterior Feminista implica um novo enfoque das relações internacionais e da cooperação dos países. México, Espanha e Chile são os três primeiros Estados da Ibero-América em adotá-la em benefício dos direitos humanos das mulheres, adolescentes e meninas em toda sua diversidade.

Desde os Ministérios de Relações Exteriores da Argentina e da Colômbia também se deram passos para incorporar a perspectiva de gênero à ação exterior que ainda não se concretizaram na formulação de políticas exteriores feministas referendadas ao mais alto nível político e com todos os elementos que contemplam estas estratégias em outros países.

 

Chile

O país andino aspira ao desenvolvimento de políticas e ações que promovam a autonomia e o empoderamento das mulheres para construir uma sociedade mais justa, inclusiva e sustentável.

O Chile decidiu promover uma política exterior com uma visão feminista, que promova em suas ações a igualdade de gênero e revise as estruturas institucionais que preservaram a exclusão das mulheres, meninas e diversidades nesta área do afazer nacional. “Uma participação paritária, plural e diversa é um imperativo para uma democracia mais sólida. O caminho para a igualdade de gênero na política exterior iniciou seu percurso há algum tempo, a diversas velocidades, mas com o mesmo objetivo: conseguir que as mulheres e meninas desfrutem de seus direitos e vivam em um mundo mais igualitário” assinala Gloria de la Fuente González, Subsecretária de Relações Exteriores do governo do Chile no documento que substancia a aproximação do país a uma Política Exterior Feminista.

 

Espanha

Por seu marco normativo e suas políticas públicas em vários âmbitos: combate contra a violência de gênero, igualdade de gênero no âmbito laboral e em políticas de conciliação, ou orçamentos com impacto de gênero, a Espanha se converteu em uma referência internacional do feminismo.

A decisão de avançar para uma política exterior feminista parte do diagnóstico da situação atual, da liderança assumida pela Espanha ao mais alto nível nos últimos anos, e de um forte compromisso político baseado na visão da consecução da Agenda 2030 e de seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

O preâmbulo da Lei 2/2014 de Ação e do Serviço Exterior do Estado identifica a promoção da igualdade entre mulheres e homens e a erradicação da violência de gênero entre os valores e interesses de nosso país. Uma intenção que se reflete na guia Política Exterior Feminista. Impulsionando a igualdade na ação exterior espanhola.

 

México

O Ministério de Relações Exteriores do México incorpora tanto a noção do “nem um passo atrás” em direitos conquistados como o “não deixar ninguém nem nenhum lugar para trás” como pretende a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.

A coordenação de sua política exterior feminista está a cargo da Subsecretaria de Assuntos Multilaterais e Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores do México que publicou uma guia de seus princípios.

O país pretende ser um referência internacional em matéria de gênero, fazendo transversal o enfoque de direitos humanos, a perspectiva de gênero e a interseccionalidade em todas as áreas da política exterior mexicana: posicionamentos, resoluções, acordos e candidaturas.

Para isso impulsiona ações concretas que tenham impactos na agenda exterior de gênero, privilegiando aquelas que tenham um impacto global e estabelecendo alianças com países que impulsionem estes princípios em foros multilaterais e ações bilaterais.

 

As sete chaves da SEGIB

A PEF permite adotar um enfoque interseccional recolhendo todos os interesses das mulheres com suas complexidades e particularidades de raça, status, etnia ou idade e multilateral dos direitos da mulher, abordando simultaneamente questões urgentes como a mudança climática, a paz e a segurança, o crescimento inclusivo, a saúde mundial e a redução da pobreza. A Secretaria-Geral Ibero-americana desgrana por que é necessária e relevante uma Política Exterior Feminista.

  1. Visibiliza as mulheres como protagonistas da política exterior e das ações globais.
  2. Valoriza outra forma de liderança na qual a horizontalidade, a paridade, a participação, o debate, a inovação e os cuidados adquirem o valor central que merecem.
  3. Implementa-se com uma visão que aborda as causas da desigualdade de gênero e do problema estrutural que representam os privilégios outorgados aos homens durante séculos. Uma vez detectadas as causas, promove a aprovação por parte dos Governos de compromissos políticos, orçamentos e orientações e instrumentos concretos para corrigir esta situação de desigualdade com medidas transitórias como, por exemplo, as cotas.
  4. Combate e previne a violência de gênero.
  5. Inclui novos atores, redes e sócias para estabelecer alianças e fomentar aproximações desde enfoques estratégicos. Aqui são muito relevantes os aportes realizados pelos grupos de mulheres migrantes na diáspora.
  6. É transformadora no sentido que impulsiona mudanças e trata de incidir nas desigualdades de gênero que se repetem em todos os âmbitos, promovendo o empoderamento de mulheres e meninas.
  7. Contempla o ponto de encontro entre o feminismo e o ecologismo como uma proposta de resiliência solidária e como um modelo de sustentabilidade.

As sociedades que protegem e promovem os direitos humanos de todas as mulheres, adolescentes e meninas e incentivam sua autonomia econômica e política são mais estáveis, pacíficas, equitativas e prósperas. Uma PEF é necessária como política de Estado que responda às exigências de igualdade não só das mulheres, senão da sociedade em seu conjunto.