Acelerar a inovação para melhorar a administração pública

O diretor da Agência de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do Uruguai, Hugo Odizzio, explica como seu país está utilizando a inovação e a cultura do cumprimento para melhorar a eficiência e resposta da administração

Acelerar a inovação para melhorar a administração pública

A inovação é o principal motor das mudanças sociais porque permite transformar radicalmente a forma em que as pessoas se relacionam, aprendem, produzem, comerciam e se comunicam. Nas empresas, a inovação permite superar as mudanças e evitar ser parte da longa lista de produtos e serviços que desapareceram ou foram substituídos.

No entanto, quando falamos das organizações do setor público, as transformações se caracterizaram por ser de tipo incremental e por estar condicionadas, muitas vezes, por produtos e arquiteturas dominantes que não todos os atores públicos podem implementar, assim como pelas limitações orçamentárias.

Portanto, perante uma sociedade que se transforma a passos acelerados, estas estratégias de tipo incremental no âmbito público são incapazes de acompanhar o ritmo das mudanças que seu entorno experimenta. Viajam a velocidades cada vez mais diferentes.

As mudanças nas organizações públicas são projetadas baseando-se em suas competências e tomando como premissa que uma das partes, a organização, não confia plenamente na outra, o cidadão e vice-versa. Por isso falamos de trâmites e não de serviços; pedimos dados, mas não somos capazes de gerenciar o enorme volume de informação de valor ao qual as administrações temos acesso e que poderia ser um ativo para aportar serviços que agreguem valor na vida e dia a dia concreto da cidadania.

Portanto, o verdadeiro desafio para as administrações públicas não é passar de um expediente em papel a um expediente eletrônico, senão substituir expedientes por serviços, tempos de trâmites por tempos de resposta e desenvolver uma estratégia de comunicação multicanal que permita predizer as demandas da cidadania.

As administrações públicas devem afrontar a velocidade das mudanças sociais e tecnológicas para oferecer serviços e tempos de resposta que, verdadeiramente, respondam às necessidades da cidadania

No âmbito privado, a competência obriga a se manter atualizado e a inovar. Se não se tem a capacidade de investimento ou a escala requerida, recorre-se a alianças estratégicas, fusões, ou diretamente à compra de uma empresa por outra.

Lamentavelmente, não ocorre a mesma coisa no âmbito público, onde o “princípio de especialidade” se converte em um limitante para aplicar estes caminhos de inovação ou inclusive para alcançar uma mínima coordenação. Existem grandes assimetrias no interno dos governos e entre as diferentes instituições, culturas e capacidades diversas que dificultam aproveitar a oportunidade de que todas estas instituições se vinculam de uma ou outra forma com os mesmos “clientes”: a cidadania à qual têm de servir e aportar valor.

Avaliar e monitorizar políticas públicas

Nesse caminho, para que as necessidades da cidadania encontrem respostas na gestão pública, o Uruguai fez do monitoramento e da avaliação das políticas públicas uma questão de Estado.

Com a visão de maximizar a eficiência da administração, construir capacidades institucionais e melhorar a relação Estado-cidadania foi criada em 2020 a Agência de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (AMEPP), um “centro de governo” que, em alguns países, é conhecido como “delivery unit” e que, no caso do Uruguai, reporta diretamente à Presidência da República. Suas competências foram dispostas pelo atual Governo no artigo 308 da Lei 19.889. 

A AMEPP foca no monitoramento e na avaliação dos planos projetados pelas administrações governamentais para levar adiante tais políticas e, em maior medida, no cumprimento dos projetos.

Ao longo destes últimos anos e através do monitoramento de projetos que demandam a coordenação de duas ou mais instituições, vimos como as assimetrias de capacidades, prioridades e cultura entre as distintas instituições públicas condicionam de maneira significativa o cumprimento dos objetivos estabelecidos.

O Uruguai criou a Agência de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas com a visão de maximizar a eficiência da administração e construir mais e melhores capacidades institucionais

 

Neste sentido, a AMEPP, atuando como agente externo e não como executor, facilita esta necessária coordenação, mitiga as assimetrias com recomendações de assessoramento ou apoio de consultoria e participa na planificação e seguimento do projeto e seus componentes, sem protagonismo algum nos resultados. Isso lhe permitiu certo reconhecimento dos atores com os quais se relaciona, apesar da sua curta idade institucional.

Para uma cultura do cumprimento

Em nosso projeto institucional e em nosso acionar diário, transmitimos a expectativa de que esta forma de trabalho deve permanecer mais além do mandato do atual Governo e, para isso, estamos promovendo “a cultura do cumprimento”, que construímos através de uma comunidade de funcionários públicos que promovam os valores inerentes a tal cultura.

A três anos de sua criação, na AMEPP compreendemos a necessidade de evoluir nossa proposta de valor para as organizações públicas com as que nos relacionamos. Para isso estamos promovendo e apoiando o projeto de soluções que sejam reutilizáveis em diferentes organismos, o uso de ferramentas de análise inteligente de dados, uma visão compartilhada do cidadão e impulsionamento das mudanças baseadas na inovação.

Com tal enfoque, participamos em um projeto para a gestão de recursos financeiros, humanos e materiais com uma única solução baseada em um produto de licenciamento gratuito (GRP – ODOO), que vem sendo implantado na maior organização do Estado, que é o prestador público de serviços de saúde e em outras catorze organizações do Governo Central.

Está sendo criada uma comunidade de funcionários públicos que promovem, nas diferentes instituições, os valores de uma “cultura do cumprimento”

Em matéria de inovação, estamos promovendo o uso de biometria, chatbot e Inteligência Artificial, no projeto de soluções para o controle de penas impostas pelo Poder Judicial, cuidados à primeira infância e melhoras nos processos de compras públicas.

O impacto gerado pela inovação nas organizações públicas para a necessária evolução em qualidade, acessibilidade e custo dos serviços ao cidadão, nos levou a colocar especial interesse  neste tema e a promover a extensão de nossas competências em “Monitorar e avaliar os projetos de inovação na gestão pública que sejam considerados de interesse para a Presidência da República.”

As mudanças na sociedade representam, hoje, o maior desafio para as organizações e servidores do âmbito público, demandando respostas em tempos cada vez mais breves e que sejam capazes de contemplar os novos hábitos de consumo e as novas formas de nos relacionarmos e de comunicar.

Trata-se, pois, de um desafio, não só enorme, senão também urgente, que induzirá o Estado à adoção de práticas e soluções inovadoras e, talvez também, à revisão de normas e regulações que careçam de sentido ou de valor, em um cenário que se transforma e nos surpreende de maneira constante.