Brasil, na liderança do desenvolvimento das empresas sociais

Brasil, na liderança do desenvolvimento das empresas sociais

Como forma de lidar com grandes desafios, tais como pobreza, fome, mudanças climáticas e analfabetismo, líderes políticos mundiais vêm se comprometendo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Para tanto, uma série de metas, ambiciosas e de caráter multifacetado, vêm sendo estabelecidas. A magnitude e complexidade dos problemas a serem enfrentados demandam recursos, competências e saberes dispersos em outros domínios situados além das esferas governamentais, das empresas privadas tradicionais e das organizações sem fins lucrativos.

Nessa seara, o mundo vem testemunhando o surgimento de novos arranjos envolvendo esforços colaborativos de organizações dos três setores tradicionais e de organizações híbridas capazes de promover modelos de negócio com a missão de conciliar a geração de retornos financeiros e impacto socioambiental. Ao despertarem as atenções de governos, agências multilaterais voltadas a resolução dos grandes problemas globais, mercado financeiro e proprietários de grandes fortunas com agenda voltada a resolução de questões com propósito socioambiental, tais iniciativas abrem espaço para o estabelecimento de um novo setor na economia: o quarto setor, aqui definido como aquele composto por organizações cujo objetivo principal é a geração de benefícios sociais e ambientais, porém com receitas geradas por meio de mecanismos de mercado de forma sustentável ao longo do tempo. Enquadram-se nessa categoria, empresas sociais, organizações voltadas ao comércio justo (fair trade), arranjos cooperativos (tais como bancos comunitários ou associações de produtores), fundos de investimento e aceleração de impacto socioambiental e empresas de microcrédito.

Seja por suas dimensões continentais, pelo acumulo de experiências com organizações não-governamentais, pela tradição em arranjos cooperativos envolvendo atores dos três setores, em conjunto ou isoladamente, ou ainda pelos sérios problemas socioambientais ainda pendentes, o Brasil, ao lado de países como México, Chile e Colômbia, ocupa papel de destaque no desenvolvimento de uma agenda latino-americana no quarto setor. Com efeito, os números do Brasil são impressionantes.  As organizações do quarto setor atuantes no país, ao redor de 28 mil, faturaram cerca de R$ 302 bilhões em 2017, aqui incluindo as cooperativas tradicionais e as associações de economia solidária como parte do quarto setor. Abrindo estes números, as empresas de impacto socioambiental e empresas certificadas pelo sistema B representam pequena parte, 1,3 mil empreendimentos e R$10 bilhões de faturamento, enquanto as cooperativas somavam quase 7 mil negócios com faturamento de R$285 bilhões, e as associações de economia solidária somavam, na última informação disponível datada de 2013, 20mil empreendimentos e faturamento de R$ 7 bilhões. Estimativas feitas a partir de múltiplas fontes sugerem que o quarto setor no Brasil envolve 14,8 milhões de pessoas, algo em torno de 14,2% da população economicamente ativa.

Em função do caráter relativamente recente das empresas do quarto setor, além de não se ter um consenso acerca de um conceito capaz de sintetizar os elementos que diferenciam empresas do quarto setor de outras formas organizacionais, como era de se esperar, os marcos legais voltados a regulação do setor ainda são bastante incipientes. A situação de indefinição acerca dos limites e possibilidades de empreendimentos voltados ao atingimento de resultados socioambientais mas que não abdicam da possibilidade de gerar e distribuir lucro aos acionistas, registre-se, não é exclusividade do Brasil e atinge também outros países desenvolvidos e em desenvolvimento.

De maneira geral, o grande desafio a ser superado sob o ponto de vista jurídico reside na conciliação entre a finalidade social do empreendimento e a necessidade de se assegurar a apropriação do valor criado por parte dos acionistas na forma de lucros e dividendos, fator essencial para permitir a proliferação de empreendimentos de impacto socioambiental por meio da atração de investidores privados que desejam obter algum tipo de retorno financeiro atrelado a causas sociais (Brest & Born, 2013)[1]. Embora se reconheça a necessidade dos empreendimentos serem autossustentáveis e capazes de gerar recursos para cobrir seus custos, a questão de captura do excedente gerado é ainda vista com reservas mesmo por entusiastas da participação privada em problemas que afetam as camadas menos aquinhoadas da população mundial (Yunus, 2010)[2].

Conforme observado anteriormente, o quarto setor no Brasil encontra-se em expansão. Excluindo-se as cooperativas tradicionais, cuja inclusão nessa categoria é controversa, os 21mil empreendimentos de orientação socioambiental apresentam um faturamento anual da ordem R$ 17 bilhões (0,25% do PIB brasileiro). Caso as cooperativas tradicionais sejam incluídas no rol de empresas do quarto setor, a participação salta para 4,6% do PIB. No que tange ao número de pessoas envolvidas com o quarto setor, os valores também são expressivos. Negócios de impacto, empresas B e empreendimento ligados ao movimento da economia solidária envolvem aproximadamente 1 milhão e 400 mil pessoas, equivalente a 1,4% da população economicamente ativa. Caso sejam incluídas as cooperativas tradicionais, esse montante sobe para 14,2% da população economicamente ativa brasileira[3].

O avanço da agenda do quarto setor no Brasil requer também maior capacitação técnica de todas as partes envolvidas. A disseminação de uma cultura de avaliação de impacto socioambiental, ao invés da mera contabilização de produtos não correlacionados àquilo que é benéfico a população deve ser estimulada. Para tal, o agir das organizações do quarto setor deve assegurar às partes interessadas a necessária relação entre ações empreendidas e impacto observado. Poucos indicadores de desempenho, para evitar problemas de incentivo, que sejam relevantes, que reflitam as ações executadas pela organização (e não fatores aleatórios), que sejam passíveis de serem mensurados a custos não elevados, são essenciais para que as organizações do quarto setor se legitimem como veículos de impacto socioambiental e estimulem o apetite de investidores tradicionais preocupados com causas de interesse coletivo na direção de organizações do quarto setor.

 

[1] Brest, P., & Born, K. (2013). When can impact investing create real impact. Stanford Social Innovation Review, 11(4), 22-31

[2] Yunus, M. (2010). Building social business: The new kind of capitalism that serves humanity’s most pressing needs: PublicAffairs.

[3] Ver Silva, S.; Carneiro, L. Os novos dados do mapeamento de economia solidária no Brasil: Nota metodológica e análise das dimensões socioestruturais dos empreendimentos. IPEA, Brasília, 2016.